sábado, 25 de fevereiro de 2012

Desvanecer


Sempre me dei muito bem com a solidão. Não há quem me conheça melhor do que eu mesma; e ainda assim quando me vejo sozinha e me pego conversando comigo, acabo por fazer algumas descobertas interessantes sobre minha própria personalidade e, fazendo reflexões profundas de momentos passados, vejo onde errei na minha vida. Além disso, minha imaginação sempre foi extremamente fértil; então monto mil cenários na minha cabeça quando me falta companhia. Assim sempre me distraí muito bem. No entanto, por mais que eu sempre diga que me basto, quanto mais tempo fico só mais sinto falta de alguma coisa. Não é cada vez uma coisa diferente, não, é sempre a mesma coisa. Nunca a havia encontrado, até aquele dia; naquele domingo quente de fevereiro, naquela cidade imensa, debaixo daquele sol ardente, entre as árvores daquele parque estranho. Olhei em teus grandes olhos e eu, que por tanto tempo tive apenas a minha companhia, encontrei pela primeira vez aquilo que sempre me faltou e nunca soube nomear. Consegues compreender a minha tristeza ao descobrir que não encontraste a mesma coisa em mim? Entendes por que me entristeci tanto desde aquele dia? Aquela foi a última vez que soube o que era sorrir da forma mais completa. Um sorriso de fato sincero, pois não me lembrava mais do mundo; não sabia que existiam outras pessoas. O egoísmo da minha felicidade isolou-nos de tudo e assim soube que contigo sim teria tudo o que eu precisava. Como posso desistir? Depois de passar tanto tempo sentindo falta daquilo que encontrei contigo, como deixar para lá? Quão cruel é poder ter apenas um dia com aquilo que passei toda uma vida procurando. Agora que sei o nome do que pertence a esse vazio que sinto, a dor de não tê-lo e a falta que fazes é ainda maior. Minha mente, que tanto admira a tua, sente falta de como a estimulas. Meu corpo inteiro pede por você. Agora que minha pele conhece o calor do teu toque e meus lábios sabem o gosto dos teus, nenhum outro parece se encaixar. Em meu seio ainda sinto a firmeza da tua mão e meus olhos ainda sorvem a intensidade dos teus. Quão irônica é essa chuva maldita que não para de cair. Ela que somente me lembra que nunca mais sentirei o mesmo calor daquele dia. Nunca antes havia ansiado pelo sol a arder em minha pele. Nunca antes havia sorrido tanto em um dia tão quente. Cada barulho de cada pingo d’água apenas me impede de esquecer que nunca mais terei aquela mesma felicidade. Que nunca mais o verei.


Desvanecer

Cruel é dar esperanças
a quem não deveria as ter.
Cruel é selar um pacto
e não conseguir manter.

Selaste-o quando os nossos
olhares se encontraram.
Quando os nossos lábios se juntaram
e perdemos, juntos, a noção.

De que havia um mundo lá fora
sem lugar para nós dois.

Cruel é me dar
o que tanto desejei,
porém envolto
em breve bruma de ilusão.

Cruel é me fazer crer
que a mim pertencia
algo que nunca sequer existira
e nem viria a existir.

Cruel é dizer “vem”,
mesmo sem nada pronunciar,
àquela acostumada a persistir.
E então desaparecer
sem ao menos um adeus.

Cruel é ser frio
sem nada falar.
E machucar sem cortar.

Cruel é nem ao menos o extrair
com um corte limpo
que rapidamente se cure.

Cruel é abrir essa ferida repugnante
a unhas e dentes;
infeccionando-a
com esse liquido peçonhento
feito do teu silêncio,
impedindo-a de cicatrizar.

Cruel é encher meu seio
com esse ardor
que há muito quis;
para então deixar-me presa
entre essas paredes gélidas.

Cruel é me fazer sentir
para em seguida marcar tua indiferença
tão profundamente em mim.

Cruel é nunca escolher.

Érica Pierre Costa

terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

Ressuscitando



Resolvi voltar a escrever nesse blog. Tanto tempo se passou desde meu último post, tanta coisa aconteceu, que não creio que valha a pena uma atualização completa. Direi apenas o que mais importa. Trabalhei durante o ano passado quase todo, juntei dinheiro, tirei a carteira de motorista e me mudei de cidade. Já faz três semanas que cheguei a São Paulo. Faz apenas três semanas que cheguei a São Paulo. Pode ser muito tempo, pode ser pouco. Andei tanto, mas também não andei quase nada. Três semanas foram o suficiente para perder-me por alguém; não foram suficientes porém, para me encontrar nessa cidade vasta. Essa cidade com braços de ferro e aço, plena de espaço; que sufoca. Essa cidade que liberta e prende, cidade de antônimos, de autônomos, cidade dos sinônimos. São Paulo das mil possibilidades, das novidades, das oportunidades. São Paulo que oprime em sua imensidão. Que liberta em seu aperto.
Aqui eu voltei a escrever, incentivada talvez por me sentir livre e solta e pela sensação de novidade, talvez ter sentido algo que nunca senti antes e ter descoberto e redescoberto o romance. Sei que independente do motivo não só voltei a escrever, como voltei a escrever poemas. A poesia voltou para mim, portanto achei apenas justo que eu voltasse para esse blog.


Voz Que Não Ouvi


(Sentir saudade de algo que nunca aconteceu é como perder um filho que não conseguiu nascer. Não é sempre que é preciso ver algo para saber o quão especial teria sido se tivesse tido oportunidade de se mostrar)

Sonho um sonho tão distante
Sonho sem desviar o olhar sequer um instante
Daquilo que não pude ver
Do que se esconde no horizonte

Ah aquele toque, aquele olhar
Aquela voz que nunca ouvi
A sussurrar
Aquela voz que sabe o que me diz

Sinto braços que me envolvem
Braços invisíveis
Tateiam o escuro
A me procurar

Aqueles braços, abraços,
O toque, o sorriso, a voz
Feitos de névoa se dissipam

Porém feitos de névoa conseguiram
Que eu não queira me soltar
Mas abandonam sem antes mesmo me encontrar.

Érica Pierre Costa

Tirei poucas fotos até agora, mas as que eu coloquei no post são da exposição do Oswald de Andrade no museu da lingua portuguesa.