sábado, 5 de abril de 2014

La Vie en Rose

Como voam alto, os pensamentos, como é fácil perder-me em minha própria cabeça. Sentada no chão de granito, a água quente queima a minha pele e eu nem sinto nada. O vapor preenche tudo e através dele, mal enxergo embaçada, a imagem de fundo do meu notebook; a Torre Eiffel sobre um céu límpido em Paris. La Vie En Rose toca ao fundo e a voz do Louis Armstrong me acaricia. “Hold me close and hold me fast, the magic spell you cast, this is La vie en rose.” E nesse instante me sinto como uma personagem dentro de um filme do Woody Allen. A única iluminação no momento vem da luz do sol que entra pelo vidro fosco da janela e que cresce gradualmente seguindo o ritmo do saxofone, até refletir nas gotas que escorrem pelo box e vêm de dentro de mim, salgadas pelas lembranças que fazem arder. A lista de músicas segue seu curso e Louis dá lugar à Valentine Song. “You light up the room, and you don’t even know.” Pensava que aos poucos estava me desapegando. Que tola sou; você continua tão presente na minha vida quanto esteve há meses atrás, ainda que tenha ido embora.

Abraço aquela água fervente na esperança de derreter e sumir, enquanto me pergunto se tudo deu errado simplesmente por eu não saber dançar tão devagar. O culpado teria sido o tal pulo que me vangloriei tanto de ter dado tão rapidamente? Pensava estar fazendo a coisa certa ao me entregar tão completamente. Pensava que você ficaria feliz em ver que alguém o queria tanto assim sem nem se questionar. Pensava que eu sabia muito mais sobre tudo isso. “Às vezes eu quero chorar, mas o dia nasce e eu me esqueço (...) e tudo que eu posso te dar é solidão com vista pro mar. (...) Às vezes eu quero demais e eu nunca sei se eu mereço, os quartos escuros pulsam e pedem por nós.” Este quarto escuro pede por você, ainda que você tenha vindo aqui apenas uma vez eu olho à minha volta e só me lembro dele contigo dentro. Como se ele nunca houvesse existido antes, como se nem mesmo agora existisse. E eu não sei mais se eu mesma sequer existo. Johnny Cash aparece e me diz que eu pareço tão sozinha. Pergunto a ele se você ainda pensa em mim. And I still love you with a love that won’t die. Você não consegue ver? Meu pensamento voando aí sempre tão perto de você? Em cada referência, em cada personagem, história, diversão que aproveitamos ou admiramos juntos? Não vê que estou por perto cada vez que algo real entra na sua frente e você não consegue se desvencilhar? Talvez tenha sido esse o problema, talvez eu tenha sido real demais para alguém que busca se alimentar exclusivamente de ilusões.