domingo, 6 de dezembro de 2015

Pisando em Brasas

Quando eu ando queima. Sempre que dou um passo é como se pisasse em brasas fumegantes que me ferem profundamente. Não há sossego, não há refresco. Essa coisa louca começou bem cedo. Talvez por isso tenha aprendido a escalar antes mesmo de aprender a andar. Porque andar já queimava tanto, e nem ao menos sentia como se saísse do lugar. Ao escalar eu fugia um pouco da realidade, eu me sentia mais livre, com mais energia. Como se finalmente escapasse. Ainda que fosse ilusão, porque, na verdade, permanecia estagnada. Cresci pisando em chamas. Cresci, e nunca me acostumei com essa sensação, pelo contrário, o incômodo só foi ficando maior e maior e maior. Como se caminhasse sobre grades em cima de uma fogueira, que é constantemente alimentada. E cada vez mais e maiores pedaços de lenha são acrescentados, o fogaréu cresce e eu tento correr. Vez ou outra, nessas de tentar escapar, caio no chão, penso em desistir. Parece que nunca vou conseguir sair dali, desse lugar que deveria me nutrir, aquecer, mas não incendiar. Anseio por sentir terra, água, alivio sob a sola dos meus pés. Anseio por sentir que me encaixo, que estou finalmente em um lugar em que posso ser.
Sumir de repente e reaparecer em um lugar diferente, hum, não me soa nada mal. Não me importaria se fosse em um algum lugar qualquer perdido no meio do nada, onde eu nem mesmo falasse o idioma nativo. Não me importaria de andar por terras frias, mornas, até mesmo quentes, contanto que não fosse nesse solo que pega fogo embaixo de mim. Não me interessa se lá ninguém me conhece, o que quero mesmo é construir, reconstruir, mudar. Livrar-me desta casca áspera que visto há tantos anos e que não tem nada a ver com quem realmente sou. Se é que sei quem realmente sou, difícil pensar com clareza quando seus pés estão queimando.  Sonhar com esse lugar qualquer é o que me sustenta. Imagino, em meus devaneios, que lá me reinventaria. Poderia escolher uma profissão, qualquer uma que fosse viável e me desse o pão. Não seria exigente nem ao menos ao escolher minhas vestes. Selecionaria algum estilo confortável e com ele me vestiria da cabeça aos pés. Poderia pintar meu cabelo de qualquer cor, usar ou não óculos, falar com o “r” puxado ou com o “s” chiado, tanto faz. Inventaria um nome que não existisse antes e seria chamada assim com gosto. Nesse lugar completamente novo, seria eu também completamente renovada.
Sinto que estar lá seria como o alívio de respirar. Sabe quando você está com falta de ar? Tentando preencher seus pulmões, mas, por mais que você inspire, nada parece bastar? Você sente uma fraqueza, uma agonia, um leve desespero. Até que finalmente você respira fundo, mas bem fundo mesmo, tão fundo que enfim consegue lotar cada cantinho de cada pulmão e sente um prazer inexplicável? Como se você tivesse pessoalmente caçado, capturado e segurado a vida com as próprias mãos? Sinto que seria esse mesmo sentimento. Estou mais próxima que nunca antes, posso perceber como dessa vez é diferente. Sinto na vibração do ar, na vontade dentro de mim, em como agora enxergo meu reflexo no espelho. Podem me esperar só mais um pouco, estou chegando.