segunda-feira, 15 de janeiro de 2018

Lembranças Desperdiçadas

Vez ou outra, naqueles momentos em que nossos olhos se perdem sem foco levados por devaneios aleatórios, ainda me pego pensando naquele dia. Não me lembro de todos os detalhes, o que é estranho porque minha memória costuma ser muito boa para momentos assim. Não me lembro em qual bairro eu estava hospedada, só lembro que era em algum lugar na linha azul do metrô. Também não sei dizer para onde tínhamos ido naquele dia. No entanto, apesar de ter me esquecido do contexto e das circunstâncias exatas, eu me lembro perfeitamente do momento em si. Se fecho os olhos, ainda estou andando por aquelas ruas aparentemente vazias naquela madrugada em São Paulo. Não sei dizer ao certo se realmente estava tão vazio assim, mas é dessa forma que a lembrança me vem; como se no filme da minha memória tivéssemos fechado a rua, o bairro, a cidade inteira para abrigar apenas os personagens que permitíssemos. E a palavra personagem nunca foi tão apropriada quanto agora para descrever este momento. Ambos interpretávamos papéis, conscientes ou não. Ainda vejo os prédios cinzas e brancos pintados de sépia pela luz amarelada dos postes, que tingia também de cores quentes o asfalto úmido. A cor perfeita para uma memória que mais parece ter sido imaginada por mim. É tão estranho lembrar de nós dois cantando Sound of Silence a plenos pulmãos em terras paulistanas, dançando de mãos dadas no meio da rua. Lembrar daquela dupla de amigos, desconhecidos para nós, que surgiu de repente no caminho e se juntou espontaneamente à nossa cantoria. Lembrar da nossa despedida embaixo do prédio, encostados no muro, você chorando emocionado. Um momento tão perfeito que só pode mesmo ter sido fabricado. Quase como um roteiro de um filme, que ainda não consigo me decidir se foi um clássico bem escrito que fica para a história ou uma cópia barata cheia de clichês.

Quando penso em todos os momentos incríveis que passamos juntos nessa viagem eu só consigo pensar em como essas seriam algumas das minhas memórias favoritas, se não as tivesse desperdiçado com você, que de uma hora para a outra foi de uma das pessoas com as quais mais havia me conectado e me divertido em toda minha vida ao namorado mais abusivo que já tive. Eu aprendi a lição com Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças, eu entendi a moral da história: lembranças ruins existem por um motivo e não devem ser apagadas, elas nos protegem de cometer o mesmo erro novamente. Porém não consigo evitar de hora ou outra sentir uma vontade enorme de manipular essa minha memória e inserir outra pessoa comigo nesses momentos, demitir você do papel e regravar as cenas com um novo ator. Não me leve a mal, eu posso dizer que não tenho mais nenhum apego ao sentimento que eu tive por você, não se trata de uma dor de cotovelo com uma ferida que nunca se fechou. Sabe, é que eu sou uma pessoa muito apegada a momentos únicos e experiências marcantes. Coleciono essas lembranças com muito apreço e cuidado, são elas que por vezes me tiram de certos abismos em que minha mente doente me coloca. Por isso fico tão consternada com essas recordações conflituosas de experiências incríveis que não se encaixam com a verdadeira imagem com a qual você me deixou no fim das contas. No meu mundo, destruir lembranças assim com uma má companhia disfarçada de pessoa incrível é um dos maiores crimes que eu poderia cometer. Não apenas por ser um golpe e tanto no meu ego, por ter me iludido e não ter sido capaz de enxergar tudo com antecedência e me proteger. Mas também por colocar em perigo o delicado equilíbrio de memórias redentoras que há anos vem me mantendo viva.