sábado, 15 de fevereiro de 2014

O Quadro

Senti o leve roçar das cerdas do pincel me fazendo cócegas. Era uma manhã de sábado incomumente ensolarada e ela me olhava concentrada enquanto eu sentia o calor da luz do sol que entrava pela janela. Ela não costumava estar acordada em uma hora como aquela, mas havia sonhado comigo e precisou urgentemente se levantar e vir me ver. Normalmente ela passava um bom tempo falando na minha frente com o pincel na mão, bradando-o como um maestro, porém dessa vez eu podia ver que havia algo diferente. Ela ainda estava vestida com a camisa do The Smiths com a qual eu a vi saindo na noite anterior e a cada frase ela derramava mais e mais lágrimas. “Tudo termina onde começa” ela dizia entre uma gota e outra. Percebi nesse momento que ela começou a me mudar, antes eu era feliz e suave, com cores alegres, agora ela começara a sujar o pincel com cores mais escuras e a dar pinceladas mais bruscas. Pincel, gota, palavra, pincel, gota, palavra, que ritmo triste ela havia formado. Ah que diferença do dia em que ela me começou. Lembro-me ainda que ela havia vestido uma camisa do Guns, com um propósito especial brilhando no canto dos olhos e no sorriso esperançoso. Naquele dia algo havia começado e ela estava mais feliz do que nunca. Agora ela me terminava, e eu que achava que iria ficar para sempre livre naquele lugar perto da janela, via-me de repente emoldurado, preso e prostrado em cima de sua cama, para que ela jamais esquecesse. Começou com Guns e terminou com The Smiths, como havia de ser.

Nenhum comentário:

Postar um comentário